segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Enquanto não regressar de Alcácer Kibir, serei sempre o Desejado.

Enquanto não regressar de Alcácer Kibir, serei sempre o Desejado. Assim fico na segurança de ser desejado, na segurança de me sonhar desejado. Aqui na eterna Antemanhã, visto de longe, sou inertemente perfeito. Mais perto, onde só Eu me vejo, sinto-me progressivamente a alcançar a perfeição do horizonte que foge.

(Sei também que para alguns olhos longínquos sou inertemente estúpido, ou convencido, ou vazio… Tenho pena, mas tenho mais que fazer que dar-lhes a graça de um conhecimento pluridimensional de mim… Tenho Eu também ideias erradas sobre muitos eles; a diferença é que gosto de todas e todos eles…)

Importa mais aqui o progresso no sentido da perfeição. Sinto-me progredindo mas é igualmente certo que poucas oportunidades me dou para errar. Mas nisso também consiste a minha Liberdade…

Poucos são os recursos de que disponho. Roubo tempo ao sono para gastar na minha liberdade. Roubo tempo aos prazeres comuns para gastar na minha liberdade. Tenho a liberdade pelo poder de fazer o que devo… Sou livre porque sei o que devo fazer, sou livre porque me posso comprometer com o que devo fazer… Mas o limite é a escassez. E contra isso furto-me a novos compromissos.

Recordo o que Nietzsche dizia sobre a superioridade aristocrática: só os ricos e poderosos podem prometer, só eles podem dar a sua palavra. O aristocrata tem poder para controlar o seu futuro, cumprir ou não a palavra é uma questão de vontade.Sou em certa medida um aristocrata. Mas para controlar o meu mundo, porque sou alma grande em corpo pequeno, não faço um império de conquista. Não tenho recursos para o império da conquista. Faço um império à minha medida, talvez pequeno, mas vasto. Faço o império do contacto. Faço o meu império num ir e vir caravélico por mares instáveis. São as ondas que me ligam ao mundo da distância. Aqui, (bem sei) sou pequeno, sou boçal: sou um proletário sorrindo na opressão do burguês pelo seu próprio sistema. Além-distância, tenho o império de todas as possibilidades imaginárias.
Talvez eu já seja a geração do futuro, o sacerdote sem ressentimentos. Para mim o modelo do sacerdote sem ressentimentos é Cristo. O meu Reino não é deste Mundo. Não conheço nenhum império que tenha durado mais que o de Cristo. E o império de Cristo ainda dura. Dura não apenas o seu império por ser Deus. Dura o seu império pelo Homem que foi.
O meu reino tem de ser deste mundo. Para isso o meu reino não é só meu e a propriedade é um roubo. Todos os socialismos utópicos se vergam ao Socialismo Científico. Toda a ciência se verga aos limites da não existir, de não existir para lá dos limites da religião racional. O meu reino neste mundo é o reino colectivo onde o livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos. O meu reino é deste mundo mas está em construção. A seara é grande os operários são poucos. Talvez se soubessem que são operários fossem mais. Porque está em construção, este meu… este nosso reino não está aquém nem além. Este nosso reino é o império do caminho. Já não é Mare Nostrum, nem Mare Clausum, é um Mare Liberum concretizado como Res Communis pelo livre acesso às praias, aos caminhos e às embarcações…
Sem barcos acessíveis a todas e todos, a liberdade dos mares não é mais que o direito de acesso exclusivo aos proprietários burgueses dos barcos. Isto é verdade nas comunicações marítimas, nas terrestres, nas aéreas, nas informáticas; isto é verdade especialmente no circo público e no pouco pão a que chamam com maquiavélica ironia: Democracia.

Talvez os burgueses acreditem ser democratas até à última consequência, pois todo o resto são inúteis e ineficientes utopias…. Pouco me importa! Concordo com Lucien Sève quando afirma que todas e todos somos oprimidos pelo Sistema Capitalista enquanto Humanidade. É verdade! A procura incessante do lucro, por maior que seja o incremento de capital, não garante um igual, ou próximo, crescimento do bem estar e da felicidade. Mas há níveis de opressão não só bem mais evidentes como também mais importantes e vitais. Se o coitado do burguês vive mal com o sistema que o favorece, se vive mal com o sistema patriarcal, etnocêntrico e capitalista, se o burguês vive mal com o sistema que a sua classe agravou nos últimos séculos, nas últimas décadas… Se vive mal, que colabore na sua destruição! DUVIDO! Não vou ficar à espera. Há sempre quem adira à causa do que hoje podemos chamar Precariado, sem dele fazer parte…
Mas são aquelas e aqueles que nada têm a perder quem pode dar vida ao movimento da mudança.
(Comboio, Dezembro de 2007)

1 comentário:

Dalaiama disse...

Tens aqui textos bem escritos, interessantes e consistentes!
Força!